Uma espécie de dilúvio benévolo reinava sobre a cidade e atrasava sua chegada ao café de sempre. Só lhe restava lamentar. Não tanto por sua involuntária impontualidade, que poderia arruinar o bom humor alheio, e sim porque cada precioso minuto que se perde por não estar perto dela é irrecuperável.
Ele chega ao local ensopado. Tudo lhe goteja. O salão está repleto de pessoas esperando a chuva cessar. Sem observar muito o ambiente, Eric se dirige a passos firmes - mesmo sem fôlego - até a última cabine ao final do corredor. Ele a encontra no canto da mesa, quase no escuro, com um cappuccino em mãos e a vista perdida no nada. Se aproxima devagar e para em sua frente com um semblante curioso. Como se pudesse ler seus pensamentos, a garota fala: "é uma cena interessante de assistir - o dilúvio e você!". O rapaz ri assentindo e chacoalha a cabeça molhando tudo ao redor.
Ele retira o casaco e sente a estranha sensação da camisa o agarrar firme à pele - parecia ter vida própria e o puxar para dentro de si. De seus cachos caem gotas constantes, como se o aguaceiro fosse parte dele também. Para alguém que pode ser considerado como uma "força da natureza", aquela cena fazia jus. A garota deixa a xícara na mesa e o encara: "você vai ficar doente". Ela remove suavemente o cabelo colado ao rosto dele, que continua: "não penso assim. Eu gosto muito da chuva. O que você gosta, não pode lhe fazer mal" - ele pontua ao pegar uma daquelas mãos tão femininas para beijar-lhe a palma. Ágata sorri e devolve o cumprimento: "é, você tem razão".
"Quanto tempo nós temos dessa vez?", ela pergunta ao terminarem de fazer os pedidos. Eric finge olhar o relógio em seu pulso e dispara: "5 minutos e uma xícara de café, madame!". Ambos caem na gargalhada. "Bobo! Nossa, você ainda lembra dessa comunidade?", Ágata pergunta incrédula. "Claro que sim! Foi lá que te encontrei. Faz parte da nossa cápsula do tempo! Isso tem uns 8 anos, por aí?", o rapaz pondera enquanto procura seu celular no casaco e o desliga. Ela volta a observar a chuva, que continua sem parar, e solta num suspiro: "caramba, estamos ficando velhos!". Um sorriso tímido surge em seu rosto e ele complementa: "e velhos hábitos não mudam, feito nós!".
A garçonete chega com um pedaço de torta de maçã com canela e dois cappuccinos - um puro e outro de chocolate. Ágata pega sua nova xícara e começa a soprar o conteúdo fervendo em seu recipiente. "Você ainda não me respondeu. Vai ficar na cidade até quando?", a garota pergunta sem rodeios. Eric para o que está fazendo e se apoia em frente a ela: "por tempo suficiente. Olha, esqueça isso por um momento. Tenho algo pra lhe contar e não sei se você vai gostar". O ar dramático faz parte do charme de seu amigo de longa data ao ponto em que ela só pergunta: "o que seria?". Com a respiração entrecortada e a voz trêmula, ele solta: "esses nossos encontros anuais precisam acabar. Você sabe, Águis, nada é eterno e até o café esfria". A garota permanece petrificada com aquela revelação e ele continua: "isso ia acontecer algum dia. Já sabíamos".
Ela se levanta, sem ânimo, e começa a pegar sua bolsa em silêncio quando escuta o riso convulsionado dele. Perplexa, Ágata questiona: "tá louco? Qual é a graça?". Percebendo o tom melancólico na voz da garota, Eric se apressa em explicar: "por favor, não vá embora. O que eu quis dizer é que não precisamos mais marcar uma data no calendário, nem criar roteiros. Estou me mudando pra cá". Ela continua em pé com uma expressão indecifrável, bebe um gole curto de sua xícara e lhe estende a mão: "acho bom mesmo! O Orkut pode acabar hoje, mas nós dois não. E outra, você vai ter que me pagar um jantar. Meu café gelou, drama king!". A tempestade continua imperando na cidade, mas os dois seguem aliviados em direção à saída iniciando um novo capítulo em suas vidas.
Emily Antonetti
oi ^^
ResponderExcluirAdorei o seu texto! Confesso que o final me lembrou um pouco o pedido de casamento da Teca. Esses homens que ficam agindo como se fosse o fim, fazendo mistérios, quando é apenas o começo! *infarto* kkkkk
obrigado pela visita e pelo comentário Emily!
Eu não conhecia o seriado baseado na história da Jane Austen, vou procurar para assistir!
bjinhus
http://dudikobayashi.blogspot.com.br/
Nossa, agora que você falou, lembrou mesmo. hehe Esse pedido da Teca ainda tem que virar uma história bem bonitona! :)
ExcluirBeijo, beijo. Valeu pelo texto!
(p.s.: estou sempre visitando sua página e de olho nas suas dicas!)