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"A vida é um circo, sim senhor!"


João abandonou o ritual de ir ao circo junto com sua meninice. Itinerantes, os espetáculos sempre carregavam com eles um pedaço da infância do garoto. Queria fazer parte da trupe, não pôde. Queria que as mágicas fossem reais, era ilusão. Certa vez, atirou seu coração para uma bailarina do show. Se fez pierrô e, sem sucesso, a garota nunca enxergou o seu amor. A bela dançarina continuou com suas elegantes piruetas ao compasso da música e jamais prestou atenção em suas mímicas na plateia. Logo, João desistiu e decidiu nunca mais retornar. No entanto, manteve em sua mente uma lona imaginária e transformou o seu dia-a-dia em uma grande performance. Se fez palhaço e trapezista na tentativa de encontrar o equilíbrio sob suas verdades e mascarar com um sorriso as dores e as cicatrizes abertas ao longo do tempo.


Era um domingo ensolarado quando o rapaz decidiu quebrar sua promessa. Parado, do outro lado da rua, João observava a movimentação das pessoas na entrada da praça. A previsão era de chuva para aquela tarde, mas os deuses das artes pareciam proteger o templo do humor instalado naquele local. O espetáculo estava prestes a começar. Dessa vez, o circo cedia lugar ao som que encanta e faz bailar o pensamento. Era dia de música. O momento perfeito para desafiar o passado e experimentar uma nova maneira de encarar a arena. Não é a toa que esse pequeno coliseu de lona colorida também é considerado uma escola da vida.

A claridade entregava as rugas do tempo marcadas na estrutura fixada por cordas ao chão. As estrelas, tímidas, rodeavam o local e por um carrossel de cores desfilavam pessoas de todas as idades. Dentro da tenda, uma surpresa. E um... dois... três... piratas urbanos saqueavam a atenção de todos que passavam perto de sua embarcação musical. No lugar de um olho de vidro, óculos de sol. O chapéu de três lados de sua capitã foi trocado por um par de imponentes chifres vermelhos para manter a ordem no ambiente. Na sequência, uma trupe de arteiros saltimbancos invadem o palco. De dentro da imensa cartola, poesia. Nada de coelhos ou truques baratos. Somente o poder das palavras domadoras de corações. 

João estava admirado com tantas semelhanças e diferenças que encontrava pelas atrações. Impossível não sorrir ao notar a pequena menina de cabelos cacheados que, fascinada, observava a dupla de ilusionistas sonoros que se preparavam para começar a sua apresentação. Nesse momento, tragado em um mantra, o rapaz tinha certeza de que essa viagem ao passado havia se transformado em algo muito maior. Como flautistas mágicos de contos infantis, o duo - a la Houdini - guiava as pessoas ao centro da pista (e da mente) em um ritual de dança sem fim. No cair da noite, um acrobata de estilos deu continuidade ao movimento. O forasteiro kafkiano diluiu referências em prol da união de forças numa química infalível custando sorrisos em milhares de variações. 


Sentado na arquibancada, o rapaz examinava a multidão como um espectador curioso. Jurou ter visto um rosto familiar. Travou uma batalha interna tentando clarear a suposta lembrança e nada. Ele não conseguia acreditar na possibilidade de se encontrar com ela. Não após todos esses anos. A bailarina em um circo! Talvez, seja o clima intimista que se instaurou e colaborou para a sensação de uma temporada fora de si. Hipnotizado pelo show flamejante do trio que se apresentava, João só poderia estar fora da realidade. O conhecido pirofagista retornava à cidade trazendo uma atmosfera escaldante de amores (e desamores) inflamáveis. Histórias que poderiam acontecer ao seu lado, numa mesa de restaurante. 

O clima introspectivo logo cedeu lugar ao burburinho. Entre conversas paralelas, uma dupla de andarilhos fazia a sua estreia na região. Sem perder tempo, eles se atiraram no som feito bala de canhão. O impacto deu certo e os caras atraíram de volta à arena as pessoas que começavam a dispersar. O tempo passou voando e o relógio caiu no esquecimento. Não precisava de teatro ou contorcionismo, era sina. João concordava. O destino estava brincando com ele naquele domingo. A garota havia desaparecido.  

Ainda assim, foi na escuridão da noite que certas verdades vieram a tona. De camisa listrada, o contestador mago da composição dava adeus às ilusões da sagrada felicidade naquele templo. "Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro" poderia ser a máxima de um experiente palhaço. Sábio e desconstruído de estereótipos ao confessar que, sob o picadeiro e a corda bamba, dezenas de histórias ainda permanecem ocultas ao respeitável público. Silenciosas. Feito João. Que permaneceu ali, imóvel, por alguns instantes, meditando sobre tudo que se passou no festival. Tirar leite de pedra é uma arte. E é somente quando as luzes se acendem que a magia se desfaz. 

Emily Antonetti

3 comentários:

  1. Olá Meg's e Emily,

    Muito bom esse texto, vemos que talento tem de sobra aqui, uma história muito boa e que merece ser compartilhada....abraço.

    devoradordeletras.blogspot.com.br

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    Respostas
    1. Oi, Marco Antonio! Muito obrigada pelo elogio! Fico feliz em saber que os textos e o blog estão agradando! :)

      Abraços, e continue ligado no Meg's!

      Emily.

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  2. Emily, você arrasa!
    :*


    Beijoooos

    www.casosacasoselivros.com

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